sábado, 25 de março de 2017

"Pós-capitalismo"

            Iniciei a leitura de Pós-capitalismo: um guia para o nosso futuro de Paul Mason, autor natural de Leigh, Inglaterra. O livro já tem se prefigurado uma leitura fundamental. Pós-capitalismo discute a presente falência do capitalismo e do neoliberalismo no cenário global; realiza um panorama da vida atual pautada na tecnologia da informação - e em que medida as redes contribuíram para a dissolução das instituições do capitalismo; e revela, por fim, as contradições existentes nos projetos políticos atuais em, de um lado (predominantemente de direita), esforçar-se em manter o projeto falido neoliberal, e, de outro (predominantemente de esquerda), aspirar suprimi-lo por completo. As revelações de Mason objetivam lançar coordenadas mais precisas para as rotas que pessoas, movimentos e partidos têm empreendido atualmente.
            Em sua "Introdução", o autor é peremptório: "as tecnologias que criamos não são compatíveis com o capitalismo". A informática "tem a tendência espontânea de dissolver mercados, destruir propriedade e romper a relação entre trabalho e salários". Mason explica que toda uma subcultura de negócios emergiu nos últimos dez anos, e hoje, "territórios inteiros de vida econômica estão começando a se mover num ritmo diferente. Moedas paralelas, bancos de tempo, coletivos e espaços autogeridos proliferam, quase despercebidos pela profissão econômica, e frequentemente como resultado direto do esfalecimento de velhas estruturas depois da crise de 2008".
        Mason cita três impactos da nova tecnologia nos últimos 25 anos que foram/têm sido/são responsáveis pelas contínuas abolição do capitalismo e a insurreição do pós-capitalismo. "Primeiro", explica ele, "a informática reduziu a necessidade de trabalho, obscuresceu as fronteiras entre trabalho e tempo livre, afrouxando a relação entre trabalho e salários; segundo, os bens de informação estão corroendo a capacidade do mercado de formar preços corretamente. Isso porque os mercados se baseiam na escassez, ao passo que a informação é abundante. O mecanismo de defesa do sistema é formar monopólios numa escala vista nos útimos duzentos anos - no entanto, eles não podem durar; terceiro, estamos assistindo à ascensão espontânea de produção cooperativa: estão aparecendo bens, serviços e organizações que não mais respondem aos ditames do mercado e da hierarquia gerencial. O maior produto de informação do mundo - a Wikipédia - é feito por 27 mil voluntários, de graça, abolindo o comércio de enciclopédias e privando a indústria publicitária de uma receita anual estimada em 3 bilhões de dólares." A informática estabeleceu a produção cooperativa, e essa rota é para fora do sistema de mercado.
          Paul Mason estima que embora esse perurso já venha se cumprindo de algum modo, atualmente o pós-capitalismo coexiste com o sistema de mercado, e é bem possível que isso perdure por décadas ainda. Ele argumenta: "a transição envolverá o Estado, o mercado, e a produção colaborativa que está fora do mercado". Para vencer a fossa neoliberal e aos poucos irmos adotando um novo sistema de vida, Mason defende a urgência de um novo projeto. É necessário um novo projeto pós-capitalista, mas não (ou, pelo menos, não somente) mais, com as propriedades neoliberais ou radicalmente opostas a essas - do modo como os dois polos dos partidos políticos continuam anacronicamente a reivindicar em queda de força.
              Mason revela as fraturas existentes em ambas as posições e no projeto neoliberal como um todo."O neoliberalismo é a doutrina de mercados sem controle: ele diz que o melhor caminho para a prosperidade é indivíduos buscando o interesse próprio, e o mercado é o único meio de expressar esse interesse. Ele diz que o Estado deve ser pequeno; que a especulação financeira é boa; que a desigualdade é boa; que o estado natural da humanidade é ser uma horda de individuos sem escrúpulos, competindo uns com os outros. Seu prestígio repousa em feitos tangíveis: nos últimos 25 anos, o neoliberalismo suscitou o maior surto de desenvolvimento que o mundo já conheceu e desencadeou um progresso exponencial em tecnologias centrais de informação. Mas, no processo, ele reavivou uma desigualdade próxima à situação de cem anos atrás e agora originou uma situação de luta pela sobrevivência". Por outro lado, "o objetivo da velha esquerda era a destrução forçada dos mecanismos de mercado. A força seria exercida pela classe trabalhadora, fosse na urna eleitoral ou nas barricadas. A alavanca seria o Estado. A oportunidade seria propiciada por frequentes episódios de colapso econômico. Em vez disso, ao longo dos últimos 25 anos, foi o projeto da esquerda que entrou em colapso. O mercado destruiu o plano; o individualismo substituiu o coletivismo e a solidariedade; a força de trabalho expandida massivamente no mundo parece um "proletariado", mas não mais pensa e age como um." Estamos diante de um fato já incontornável "a tecnologia criou uma nova rota de saída, que os remanescentes da velha esquerda têm de abraçar ou morrer" e os neoliberais admitir a falência - portanto, improcedência - do sistema. Estamos diante da necessidade de reconfiguração dos projetos.
                 Para Paul Mason, "não é mais de um plano que precisamos, mas de um projeto modular"; "o projeto do mundo pós-capitalista, como no caso dos softwares, pode ser modular. Diferentes pessoas podem trabalhar nele em lugares diversos, a velocidades distintas, com relativa autonomia em relação umas às outras". "Temos que nos basear em micromecanismos, não em programas de diretrizes; tem que funcionar espontaneamente." Ele justifica a eficiência desse plano: "a principal contradição hoje é entre a possibilidade de criar bens e informações livres e um sistema de monopólios, bancos e governos tentando manter as coisas privadas, escassas e comerciais. Tudo se resume à refrega entre rede e hierarquia, entre velhas formas de sociedade moldadas em torno do capitalismo e novas formas de sociedade que prefiguram o que vem em seguida".
              Sem tomar partido, Paul Mason argumenta pela necessidade de "um projeto coerente baseado na razão, na evidência e em esquemas testáveis; um projeto que esteja de acordo com a história econômica e seja sustentável em termos do nosso planeta". Pós-capitalismo: um guia para o nosso futuro é um livro no qual o seu autor realiza o mesmo exercício dos intelectuais autores das fições utópicas do gênero literário-político da utopia. Tal qual outrora seus maiores expoentes ingleses, autor e obra põe a questão: "por que deveríamos, na qualidade de seres inteligentes, deixar de formar um retrato da vida ideal, da sociedade perfeita?". Como imortalizado por Eduardo Galeano, as formulações utópicas são indispensáveis porque seu papel de formular projetos faz o sistema caminhar. Ler, debater e projetar saídas, revelando os erros atuais, são atividades indispensáveis para irmos na direção de uma ordem de mundo melhor.
              A revelação das contradições das diferentes condutas que pessoas, partidos políticos e movimentos sociais estão assumindo nesse contexto de falência do neoliberalismo e institucionalização de um novo 'organum civil' pautado nas redes, as implicações possíveis (ou mais previsíveis) disso, é uma tarefa de enorme relevância, e está, no livro, cheia de alguma ou outra contribuição para se formular novas coordenadas para o futuro.
                    Está aí uma obra utópica moderna. Esta aí uma boa e proveitosa leitura!

Livro: Paul Mason. Pós-capitalismo: um guia para o nosso futuro. Trad. José Geraldo Couto. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. 

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