domingo, 3 de dezembro de 2017

Stoner

         É sempre bom descobrir nos enredos dos livros da Rádio Londres o tema do encontro do homem com ele mesmo; seguir com um personagem o seu processo particular de tomada de consciência do próprio lugar no mundo. 
          É recorrência das publicações da editora, o tema, e aparece de diversas formas em obras-primas de autores pouco populares. 
          Há umas semanas terminei de ler "Stoner", de John Williams. Atualmente leio - o mo-nu-men-tal! - "Tirza", de Arnon Grunberg; e também já espero ansiosa para conhecer em seguida, o "Minotauro", de Benjamin Tammuz. Tornei-me e estou uma fã das publicações da Rádio Londres! 
      Abaixo deixo um trecho do "Stoner", quando o protagonista - Stoner -, dá notas sobre este mencionado momento de autoconsciência. 
Passou meio século de vida, Stoner tem a constatação do que esperou e o que obteve, o que realizou e não, o que, enfim, as coisas foram, e as expectativas que ele teve delas. 
        Com ele, damo-nos conta: ao fim de uma vida, o homem não obtém muito mais que isso: uma maior consciência das próprias experiências, e de si mesmo. É com o que ficamos.


"Quisera a amizade e a intimidade da amizade que pudessem confortá-lo na aventura da existência. Tivera dois amigos, um deles morrera insensatamente antes de poder conhecê-lo melhor, o outro agora recuara tão remotamente entre as fileiras dos vivos que...
Quisera a unicidade e a serena indissolubilidade do casamento. Tivera essa também, e não soubera o que fazer com ela, e a deixara morrer. Quisera amor. E tivera amor, e renunciara a ele, deixara-o ir para o caos da potencialidade. Katherine, ele pensou, "Katherine".
E quisera ser professor, e se tornara um. Mas sabia, sempre soubera, que na maior parte de sua vida tinha sido um professor medíocre. Sonhara com uma espécie de integridade, uma espécie de pureza imaculada, mas encontrara a banalidade e a força destrutiva da superficialidade. Aspirara à sabedoria e, no fim de longos anos, encontrara a ignorância. E o que mais?, ele pensou. O que mais?
O que você esperava?, perguntou a si mesmo.
[...]
O que você esperava?, pensou ele.
[...]
Sentiu que acordara de um longo sono e estava revigorado. Era o fim da primavera ou começo do verão, mais provavelmente começo do verão, pela aparência das coisas. [...] O ar estava espesso e pesado, um peso que juntava os odores suaves da grama, das folhas e das flores, misturando-os e mantendo-os suspensos. Ele respirou de novo, profundamente; ouviu o ruído de sua respiração e sentiu a doçura do verão congregar-se em seus pulmões.
E sentiu também, com aquela respiração, algo que se deslocava dentro dele, no fundo, e ao se deslocar, fazia parar alguma outra coisa, fixando sua cabeça de um jeito que ela não conseguia mais se mexer. Depois a sensação passou, e ele pensou: então é assim que é.
[...]
Recomeçou a respirar, mas havia algo diferente dentro dele que não conseguia definir. Sentiu que estava esperando alguma coisa, uma espécie de conhecimento, mas lhe parecia que tinha todo o tempo do mundo.
[...]
O que você esperava?, ele pensou de novo.
[...]
Agora mal lembrava que estivera pensando em fracasso, como se isso tivesse alguma importância. Parecia-lhe que pensamentos assim eram mesquinhos, indignos do que a sua vida tinha sido. [...]
Uma suavidade o envolveu, e uma languidez se insinuou em seus membros. Uma sensação de sua própria identidade lhe veio com uma força súbita, e ele sentiu o poder dela. Ele era ele mesmo, e ele sabia quem tinha sido."

John Williams. "Stoner". Trad. Marcos Maffei. Rio de Janeiro: Rádio Londres, 2015. pp. 302-305.

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